O que defendemos em 2021

O ano de 2020 entrou para a história como o que parou o mundo. A pandemia de Covid-19 encerrou atividades básicas e colocou pelo menos um terço da população mundial em quarentena, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, com as crises econômica e política, o cenário desafiador ganhou proporção ainda maior: desemprego e pobreza andaram lado a lado com má gestão da pandemia e agendas negacionistas e anti-direitos por parte do governo federal. Somos o país que pior geriu a crise no mundo, segundo pesquisa do Instituto Lowy.

A escola foi uma das primeiras instituições a serem fechadas e a maioria delas não retornou até o presente momento.

Diversas redes de ensino - dado a falta de acesso de milhões de estudantes e profissionais da educação a condições mínimas em seus domicílios para que os processos de ensino-aprendizagem se efetuassem, como equipamentos e recursos tecnológicos diversos -, optaram por não implementar os calendários letivos de forma remota e passaram a manter, nessa modalidade, atividades essenciais e de vínculos entre família e escola.

Outras redes, sem processos participativos de formulação de políticas, tomaram o caminho de seguir implementando os calendários letivos programados antes da pandemia, em plataformas privadas, excluindo as populações em maior situação de vulnerabilidade e entrando em uma seara também de violação de privacidade de dados. Entre um exemplo e outro, uma gama de diferentes caminhos foram trilhados, para responder à situação emergencial inédita com que as comunidades escolares de todo o país se depararam.

Esse cenário teve dois agravantes fundamentais: a falta de participação e gestão democrática das políticas públicas emergenciais e a falta de financiamento adequado às áreas sociais. Esses são dois temas centrais na mobilização da Semana de Ação Mundial 2021.

Apesar das recomendações e dos esforços de especialistas de todas as áreas, em âmbito nacional e internacional, as políticas de austeridade, sob a Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, seguiram vigentes e ceifando vidas e direitos de toda a população, impactando especialmente as populações em maior situação de vulnerabilidade.

Embora o processo de vacinação tenha começado, ainda não temos um calendário que incluirá professores e profissionais de educação, além da maioria da população brasileira, o que faria a retomada das aulas presenciais segura, sem colocar em risco a vida de estudantes e seus familiares. Ainda há dúvidas e incertezas sobre o ensino remoto e híbrido, também não foram criados planos para os alunos que foram excluídos da escola no ano passado porque não tiveram acesso à internet ou condições de participar das aulas, tendo em vista as condições de acesso aos meios necessários, assim como a infraestrutura das escolas e dos domicílios de estudantes e professores e, por exemplo, a baixa escolaridade dos responsáveis.

Chegamos em 2021 com um cenário geral de estudantes de todo o país em uma situação de exclusão escolar e em violação de uma série de direitos que vão além do ensino e aprendizagem, como proteção social, e alimentação segura e saudável. Não houve dúvidas em todos os setores sociais acerca da importância da escola como lugar de garantia de direitos, e das e dos profissionais da educação como atores primordiais para tanto. Para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, isso sempre foi uma certeza.

Desde quando a pandemia foi decretada, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação mobilizou sua rede e esforços para divulgar conhecimento sobre a Covid-19 e seu impacto na educação e em outras áreas relacionadas, assim como para trazer recomendações às gestões e comunidade escolar para o enfrentamento emergencial com base em direitos. Foi assim que, desde março do ano passado, os Guias Covid-19 foram sendo lançados de acordo com a necessidade de pautar e qualificar o debate público e com as demandas que eram apresentadas. No total foram produzidos a muitas mãos, de maneira colaborativa, 10 guias, além de uma série de notas técnicas sobre políticas e proposições legislativas.

A proposta foi apresentar para comunidade escolar, famílias, assistentes sociais e profissionais da área de proteção social informações e dados úteis em fontes confiáveis sobre o que estava acontecendo. Os guias também elaboraram recomendações para a garantia de direitos à educação e à proteção absoluta nesse cenário e orientaram sobre como atuar para além da ação individual. Afinal, compreendemos que este momento é de ação coletiva e de fortalecimento do Estado, e dos serviços públicos e gratuitos de forma universal.

A SAM 2021 é mais uma ferramenta importante com síntese de informações desenvolvida a partir de todo esse acúmulo ao longo de 2020 e trazendo atualizações de contexto neste novo ano, assim como recomendações para uma tomada de decisão para que as políticas emergenciais a serem desenvolvidas em 2021 sejam baseadas em direitos e com financiamento adequado. É um instrumento também essencial para as comunidades escolares, famílias e profissionais da educação e proteção se informarem, participarem da formulação das políticas, monitorarem e demandarem respostas que garantam seus direitos à saúde, educação, e proteção.

  1. Financiar adequadamente a educação com transparência e controle social para garantir uma educação de qualidade e o cumprimento do PNE;

  2. Promover reforma tributária que favoreça o aumento dos recursos públicos a serem destinados para a educação, por meio de sistema tributário progressivo;

  3. Promover medidas de alívio ou cancelamento de dívidas para países de renda média e de renda baixa e financiamento de 0,7% do PIB de países ricos em ajuda ao desenvolvimento;

  4. Construir e fortalecer sistemas públicos que garantam equidade e inclusão, cobrindo todas as etapas e modalidades de ensino ee combatendo discriminações por classe, raça e etnia, gênero, etárias, deficiência, entre outras;

  5. Fornecer educação pública, de gestão estatal,  gratuita e de qualidade para todas as pessoas, acabando com a tendência de privatização e comercialização da educação;

  6. Melhorar a qualidade do ensino por meio de condições de trabalho, valorização e formação inicial e continuada de trabalhadoras e trabalhadores da educação;

  7. Garantir espaços de participação e protagonismo da comunidade escolar nas decisões sobre a educação;

  8. Proteger as crianças e adolescentes de toda forma de violência, discriminação e opressão.


Os direitos humanos são complementares e não devem competir entre si. Isso significa que o Estado não deve relegar à população a decisão entre o direito à educação ou à saúde, por exemplo. No debate sobre reabertura das escolas, esse elemento é central: é urgente a volta às aulas presenciais para a garantia da educação, da proteção, da saúde mental, mas em um cenário de falta de segurança sanitária e sem condições de infraestrutura nas escolas, o direito global à saúde de toda a comunidade escolar - especialmente das e dos profissionais da educação e também das famílias e, por consequência, de toda a sociedade - fica comprometido.

Dessa forma, a posição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação sempre foi a mesma: o retorno às atividades presenciais é essencial e urgente, mas não pode passar por cima da garantia de condições para um retorno seguro. Essa garantia passa pelo controle da pandemia, pela elaboração participativa e democrática de diagnósticos e de protocolos de retorno, pelo financiamento e investimento em infraestrutura que assegure condições materiais de segurança nas escolas, e pela transparência nas políticas e na disponibilização de dados não só para a construção da reabertura, como também no monitoramento do andamento dos trabalhos e dos casos de contaminação. 

E esses elementos são só o início da conversa. Convidamos vocês a seguirem esse diálogo conosco através dos materiais e de suas ações!

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Andressa Pellanda
Coordenadora Geral
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Coordenadora da SAM 2021