A Campanha Nacional pelo Direito à Educação lança nesta terça-feira (25/06) seu Balanço do PNE (Plano Nacional de Educação) 2024. Abrangendo os 10 anos de vigência da Lei 13.005/2014 que acaba neste ano, o estudo confirma o descumprimento generalizado do Plano.
O Balanço é apresentado em audiência pública na Câmara dos Deputados, às 14h, em seminário promovido pelo presidente da Frente em Defesa do PNE, o deputado Pedro Uczai.
Com a baixa taxa de avanço em praticamente todas as metas, quase 90% dos dispositivos (34 de 38) das metas não foram cumpridos.
As metas 2, 9 e 12 estão em retrocesso, abrangendo 13% do total, considerando os dispositivos do Plano.
Na última década, milhões de pessoas negras, pobres, da zona rural ou das Regiões Norte e Nordeste foram excluídas do acesso, permanência e conclusão de etapas, modalidades e níveis da educação. “Há avanços importantes porém insuficientes para as populações negra e feminina”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, acerca do balanço de 10 anos, que apresenta também dados desagregados para um enfoque nas desigualdades sociais e educacionais.
“Neste momento de finalização dos dez anos de vigência do Plano, olhamos para o cenário e analisamos os erros do passado de forma a pautar nossas escolhas com mais acuidade para o novo Plano Nacional de Educação. Garantir investimentos de forma adequada e uma economia em favor dos direitos sociais, fazer o enfrentamento às desigualdades, promover a gestão democrática e o monitoramento, e garantir condições de infraestrutura e valorização dos profissionais da educação são pontos cruciais para que não cheguemos ao final dos próximos dez anos com o mesmo cenário de descumprimento legal”, analisa Pellanda.
ACESSE A APRESENTAÇÃO DO BALANÇO DO PNE 2024 COM DADOS DESAGREGADOS
ACESSE O BALANÇO DO PNE 2024 (VERSÃO COMPLETA)
Raça/cor
O acesso das crianças pretas à creche (meta 1) teve um crescimento de 13,7% durante o PNE. Este passa a ser o grupo em que a estimativa apresenta o maior nível de acesso (47%), ultrapassando as crianças brancas (43%). No entanto, para além de esta ser uma exceção em relação ao conjunto de indicadores do PNE, o avanço observado para as crianças declaradas pretas não se estende às crianças pardas, que ainda sofrem um déficit considerável de atendimento (37%).
No Ensino Fundamental (meta 2) e no Ensino Médio (meta 3), as populações preta e parda têm percentuais menores de conclusão.
É na meta 2 que o acesso de todas as crianças de 6 a 14 anos ao ensino fundamental, que ainda não havia sido conquistado no Brasil antes da pandemia, sofreu um forte impacto em seu segundo ano, caindo a um nível menor do que o observado em 2014 e se mantendo relativamente estagnado desde então. O número de crianças nessa faixa etária que não frequentam nem concluíram a etapa quase dobrou de 2020 para 2021, saltando, em valores estimados, de 540 mil para 1,072 milhão, aumentando ainda para 1,137 milhão em 2023. Desse 1,137 milhão de crianças, 150 mil sequer frequentavam a escola, e outras 980 mil estavam escolarizadas, mas em etapas anteriores ao ensino fundamental. É essa elevação no número de crianças da faixa etária atendidas na educação infantil o motivo da queda no indicador desde a pandemia.
Especificamente sobre a conclusão do Ensino Fundamental, as populações preta e parda têm visto avanços maiores neste indicador do que as populações brancas, de forma a reduzir em boa parte a enorme desigualdade presente em 2014. Elas ainda ficam atrás do acesso das brancas em pelo menos 7 pontos percentuais.
Com relação à frequência ou conclusão do Ensino Médio, destaca-se o forte crescimento na escolarização da população preta, que, junto com a população parda, ainda assim precisa de redução na desigualdade em relação aos brancos – estão ao menos 8 pontos percentuais atrás.
Sobre a taxa bruta de matrícula no Ensino Superior (meta 12), é importante ressaltar a queda na desigualdade de acesso por parte da população autodeclarada preta.
Na Educação em Tempo Integral (meta 6), há início de reversão de um cenário de desigualdades que perdurava até 2023, privilegiando a população branca, com retomada das matrículas e com foco da nova política em enfrentar desigualdades.
Regiões e UFs
Quadro similar ao das desigualdades de raça/cor no Ensino Fundamental é observado em relação à população da zona rural e àquelas das Regiões Norte e Nordeste. Há estagnação vista no Acre e em Roraima. Além do Acre, Pará e Rio Grande do Norte apresentam os menores níveis do país no indicador em conjunto com um avanço abaixo do observado no país como um todo, de forma que a desigualdade entre os estados tende a aumentar.
Sobre o Ensino Médio, a região Norte ficou para trás em relação ao resto do país no período analisado, sendo também a que atualmente apresenta a menor taxa de atendimento (91%).
Analisando o desempenho dos estudantes em proficiência de leitura, escrita e matemática pelas regiões nos anos de 2014 e 2016, nota-se uma forte desvantagem dos alunos das regiões Nordeste e Norte, chegando a estar ao mesmo 15 pontos percentuais abaixo da média em todas essas habilidades.
A porcentagem de pessoas que declaram saber ler e escrever (meta 9) é muito baixa quando analisamos o subgrupo das pessoas com mais de 65 anos (82%) ou da zona rural (85%) – esses são os mais impactados pelo analfabetismo absoluto. Mais de um milhão de matrículas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) foram perdidas desde o início do PNE, sendo que só a população maior de 15 anos analfabeta, que é apenas parte do público alvo desta modalidade, corresponde a mais de 9 milhões de pessoas. Analisando em recortes a taxa de analfabetismo funcional, destaca-se negativamente a forte alta na região Nordeste (42% da população de 15 a 64 anos), que já partiu de um nível que estava acima da média em 2015.
Gênero
Há defasagem crescente no acesso das meninas à creche quando comparadas aos meninos. As meninas frequentam mais o Ensino Fundamental e o Ensino Médio – observa-se nesta etapa a frequência ou conclusão baixa dos meninos (de 74%; 6% a menos do que as meninas), por conta de evasão escolar e vulnerabilizações.
Na Educação Profissional Técnica de Nível Médio, a maior expansão relativa é a que se deu entre estudantes do sexo feminino, com 62% mais matrículas do que no início da vigência do Plano.
Com relação ao Ensino Superior (meta 12), as mulheres ampliaram a diferença em acesso e graduação em relação aos homens no período. As diferenças são, respectivamente, de 11% (matrículas) e 8% (conclusão).
Sobre o rendimento médio dos docentes com ensino superior completo das redes públicas (meta 17), quando comparamos os salários não dentro de cada subgrupo, mas com a média nacional dos outros profissionais escolarizados em nível superior, fica evidente o rendimento menor das mulheres em relação aos homens dentro da carreira docente, assim como a vantagem crescente no salário dos docentes brancos em relação aos pretos e pardos.
Renda
Os jovens pertencentes ao ¼ mais rico do país apresentando taxa líquida de frequência no Ensino Médio 22 pontos percentuais acima dos observados para o ¼ mais pobre. Frente à disparidade já observada em 2014, a equiparação durante a vigência do Plano foi menos do que a metade do necessário.
No Ensino Fundamental, por outro lado, observa-se um avanço maior em cada grupo de menor renda, com redução na disparidade entre todos os subgrupos.
Quanto à escolaridade média, em anos de estudo, da população de 18 a 29 anos (meta 8), verifica-se quando o recorte se dá por nível de renda, onde o avanço foi sucessivamente maior à medida em que o grupo populacional é mais pobre, mas o cenário ainda é o de maior desigualdade dadas as categorias analisadas, com o ¼ de menor renda possuindo em média 3,1 anos de estudo a menos do que sua contraparte mais rica.
O Balanço do PNE 2024 da Campanha foi elaborado pelo cientista de dados da Campanha, Fernando Rufino.
A avaliação de 11 das 20 metas e seis estratégias do PNE foi afetada pela restrição na abertura dos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) implementada em 2022. Nestes casos, o acesso aos mesmos precisou ser realizado por meio do Sedap (Serviço de Acesso a Dados Protegidos).
Ainda, em outros casos, não existem fontes de dados para o monitoramento ou, quando existem, têm periodicidade excessivamente longa ou validade limitada para avaliar o disposto no plano.
Alguns destaques das lacunas de dados que impossibilitam um diagnóstico adequado são o artigo 9º da Lei (gestão escolar democrática) e estratégias da meta 2 (ensino fundamental), meta 4 (acesso ao atendimento educacional especializado) e meta 7 (nível de aprendizado no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, e transporte escolar).
A Campanha defende há anos o acesso a dados abertos e a transparência nos critérios de disponibilização de suas bases. Na edição do ano passado, a produção do Balanço foi prejudicada em metade das metas devido à restrição de acesso aos microdados do Inep.
Veja abaixo, em detalhes, os dados sobre algumas das metas principais.
RETROCESSOS
META 2: Universalizar o ensino fundamental de 9 anos para toda a população de 6 a 14 anos e garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE.
O acesso de todas as crianças de 6 a 14 anos ao ensino fundamental, que ainda não havia sido conquistado no Brasil antes da pandemia, sofreu um forte impacto em seu segundo ano, caindo a um nível menor do que o observado em 2014 e se mantendo relativamente estagnado desde então. O número de crianças nessa faixa etária que não frequentam nem concluíram a etapa quase dobrou de 2020 para 2021, saltando, em valores estimados, de 540 mil para 1,072 milhão, aumentando ainda para 1,137 milhão em 2023.
Desse 1,137 milhão de crianças, 150 mil sequer frequentavam a escola, e outras 980 mil estavam escolarizadas, mas em etapas anteriores ao ensino fundamental. É essa elevação no número de crianças da faixa etária atendidas na educação infantil o motivo da queda no indicador desde a pandemia.
No contexto da crise sanitária causada pela COVID-19, a questão do acesso e da permanência voltou a figurar entre as principais preocupações relacionadas à educação, mas é importante notar que a exclusão escolar também não era um problema resolvido anteriormente, apesar de ter sido por vezes secundarizada no debate. Com isso, não basta um retorno ao padrão pré-crise para que se atenda o que está disposto no PNE e, especialmente, na Emenda Constitucional nº 59.
Em relação ao percentual de jovens concluindo o ensino fundamental na idade adequada, que é o outro objetivo estabelecido nesta meta, no segundo trimestre de 2023 esse indicador atingiu 84,3%, longe do objetivo de 95% para o ano seguinte.
Se em relação a sexo e, em menor medida, localização, a queda foi semelhante entre cada grupo, a região Sul apresentou a maior redução quando comparada às outras, em especial o Norte. Também na desagregação por raça/cor a queda foi heterogênea, sendo maior entre as crianças e jovens brancas. No agrupamento por renda, o que se viu foi uma queda progressivamente mais acentuada quanto mais pobre é o conjunto de pessoas em análise.
Quanto ao dispositivo da meta relacionado à conclusão do Ensino Fundamental em idade adequada, as disparidades voltam a aparecer. Neste indicador, os avanços, ainda que insuficientes, pelo menos têm ocorrido com redução de desigualdades nas dimensões analisadas.
As populações preta e parda têm visto avanços maiores neste indicador do que as populações brancas, de forma a reduzir em boa parte a enorme desigualdade presente em 2014. A desvantagem dos jovens da zona rural também tem caído em relação a seus colegas da zona urbana. O mesmo ocorre com os jovens do sexo masculino, que se aproximam à equiparação com as jovens do sexo feminino. Entre as regiões, o Norte e o Nordeste reduziram consideravelmente a grande defasagem que possuíam em 2014, na comparação com as restantes.
Para o recorte de renda, finalmente, observa-se um avanço maior em cada grupo de menor renda, com redução na disparidade entre todos os subgrupos.
Ao olhar o recorte estadual da frequência escolar ao ensino fundamental, novamente se manifesta a relativa similaridade entre os níveis de todos os territórios, fruto também de variações desiguais, como nas outras dimensões de desagregação. Causa alarme a queda observada em Roraima, que passa a registrar o menor nível do país, 4 pontos abaixo da média nacional e 5 pontos abaixo do que apresentava em 2014. Quedas menos acentuadas, mas ainda graves, ocorrem em todas as unidades federativas, com exceção do Distrito Federal, Pará e Amazonas.
Quanto ao percentual de jovens de 16 anos com o ensino fundamental concluído, este recorte apresenta um conjunto de estados com situação significativamente pior em relação à norma.
Esse grupo inclui Pará, Acre e Rio Grande do Norte, com níveis menores ou iguais a 70% quando a média nacional é mais de dez pontos percentuais superior, e pode ser estendido, por outra análise, para incluir Santa Catarina e Mato Grosso, que, assim como o Acre, apresentaram queda no período, com destaque especial ao estado da região Sul, com 7,5 pontos percentuais de variação negativa.
META 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.
Como acontece em outros dispositivos do Plano Nacional de Educação, a taxa de 93,5% esperada para a alfabetização dos brasileiros em 2015 não foi cumprida no prazo. Só 2 anos depois, em 2017, isso aconteceu. Nos anos seguintes, o indicador passou por um crescimento muito lento até 2021, quando atingiu 95%, o valor máximo da série. Pelo dados da Pnad Contínua, do IBGE, o saldo em 2023 é de 9,3 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever.
A redução do analfabetismo absoluto entre 2014 e 2021 se deu com redução da desigualdade de acordo com raça/cor, com forte redução entre a população preta, assim como entre os pardos. Redução análoga se deu na disparidade em diversos outros recortes como por região, localização e por renda.
No entanto, o comportamento do indicador em recortes relacionados à idade da população sugere que este avanço se deva menos ao avanço no processo de alfabetização de jovens e adultos do que a uma substituição demográfica, na qual as populações em cada faixa etária vão progressivamente dando lugar a gerações seguintes que tiveram cada vez maior acesso à escolarização na idade adequada.
A síntese do avanço insuficiente, da necessidade de alfabetizar pessoas que ainda são jovens, e de políticas tão reduzidas que é difícil sequer detectá-las, faz necessário um alerta duro: não deve esperar as pessoas analfabetas morrerem para que se “resolva o problema”. São precisos esforços reais nas políticas de garantia do direito à educação dos jovens e adultos, com investimento de recursos, busca ativa do público alvo e reversão do fechamento de salas da modalidade.
Analisando em recortes a taxa de analfabetismo funcional, destaca-se negativamente a forte alta na região Nordeste, que já partiu de um nível que estava acima da média em 2015.
Também é negativa a relativa estagnação entre as populações de cada raça/cor, de modo que persistem as disparidades com desvantagem para pretos e pardos.
Dentro da região Nordeste, onde estão as maiores taxas de analfabetismo absoluto, todos os estados tiveram avanços acima da média nacional no período, com destaque para Maranhão, Piauí e Alagoas.
Na região Norte, por sua vez, destaca-se o progresso do Acre, que também se aproxima da média nacional a partir de um nível abaixo da mesma.
META 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
O insuficiente ritmo de avanço deste indicador pouco se alterou ao longo do Plano, oscilando ao redor de uma tendência incompatível com o atingimento do objetivo. Restando aproximadamente 10 pontos percentuais para serem avançados em um ano, quando nos 9 anteriores o crescimento foi inferior a isso, não há perspectivas de cumprimento do pactuado em 2014.
A situação é similar em relação ao percentual de pessoas de 18 a 24 anos que frequentam ou já concluíram cursos de graduação, que segundo o Plano deve atingir o patamar desejado de 33% em 2024, mas subiu apenas 4,9 pontos percentuais entre 2014 e 2023, restando 6,7 a serem cobertos em um ano.
A expansão de matrículas necessária ao cumprimento dos objetivos acima tem se dado de forma excessivamente concentrada na rede privada, o que ainda piorou durante a pandemia. Até 2020, último ano com dados disponíveis, apenas 7,4% das novas matrículas desde 2013 haviam sido criadas na rede pública, muito abaixo do valor mínimo estabelecido de 40%. Esse cenário dificilmente surpreenderá o leitor, dada a série de cortes, congelamentos e contingenciamentos que se tem observado na educação superior pública ao longo dos governos.
Sobre a taxa bruta de matrícula, é importante ressaltar a queda na desigualdade de acesso por parte da população autodeclarada preta. Isso, porém, não se estende aos pardos, e em ambos os grupos persista uma desvantagem significativa na comparação com a população branca.
Já entre os sexos, a diferença na frequência dos homens em relação às mulheres aumentou no período, assim como entre as regiões, com o Norte e, especialmente, o Nordeste ficando para trás em relação à média nacional, passando o Nordeste também para uma defasagem crescente em relação ao próprio Norte.
Desde 2014, a disparidade observada na zona rural em relação à urbana aumentou consideravelmente, o que pode ser atribuído em parte pela concentração das instituições de ensino superior em centros urbanos, frequentemente demandando que ingressantes das zonas rurais se mudem. Ainda assim, a grande diferença levanta possíveis questionamentos sobre melhorias a serem feitas na distribuição da oferta da educação superior.
Quanto à desigualdade por raça/cor, verifica-se novamente um maior avanço no acesso da população preta, que, ainda assim, se encontra em grande desvantagem na comparação com a população branca, para a qual a porcentagem é aproximadamente duas vezes maior. Já a população parda enfrenta desigualdade aproximadamente igual, sem que haja em seu caso uma tendência de redução. No recorte por sexo, o quadro também é de maior acesso à graduação por parte das mulheres.
Entre as regiões, Norte e, em menor medida, Nordeste têm apresentado crescimento superior à média nacional, reduzindo sua defasagem. A região Norte, em especial, se destaca por ser a que apresenta maior avanço.
Finalmente, a distribuição por renda nesse reduzido corte etário nos permite sublinhar a ressalva feita sobre a taxa bruta, já que mesmo nessa janela mais restrita, em que o efeito do ingresso na graduação sobre os rendimentos do alunado é severamente limitado, verifica-se uma enorme desigualdade, que ainda figura entre as maiores observadas para todos os indicadores do Plano, mesmo que tenha se reduzido ligeiramente.
Na visão por unidades federativas, é detectada uma queda na taxa bruta de frequência em Roraima, que também é um dos estados onde esse indicador apresenta o nível abaixo da média, compondo grave distanciamento do resto do país.
Já o Rio de Janeiro, um dos estados com a maior taxa no país, apresentou o maior crescimento desde o início da vigência do Plano. Como resultado, a diferença entre os extremos das unidades federativas tem aumentado.
Assim como ocorre com a taxa bruta de frequência no Ensino Superior, o estado de Roraima apresenta queda na taxa líquida, sendo que neste indicador sua distância em relação à média nacional é ainda maior. Ainda na região Norte, destacam-se positivamente os crescimentos observados nos estados do Tocantins e do Pará. Crescimento forte também apresenta o Distrito Federal. Este é também a unidade federativa com o maior nível para o indicador, muito acima do observado em qualquer estado do país, e está se distanciando da média nacional.
No restante do país, destacam-se negativamente o Sergipe, a Paraíba e Minas Gerais, com queda ou crescimento inferior a um ponto percentual durante a vigência do Plano.
METAS EM DESTAQUE
META 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%.
Após ter mantido seu avanço entre o segundo trimestre de 2020 e o de 2021, o percentual de jovens na faixa dos 15 aos 17 anos com acesso à escola vem caindo no período subsequente, o que pode ser associado a um efeito cumulativo do impacto sobre o Ensino Fundamental. Com isso, sobe de 433 mil para 555 mil o número total de jovens dessa faixa etária ainda fora da escola, 7 anos depois do prazo de universalização ter se esgotado.
O segundo dispositivo previsto na meta 3 propõe que se atinja uma taxa líquida de frequência ao ensino médio igual a 85% em 2024. Isso significa que, ao final da vigência deste Plano Nacional de Educação, 85% dos jovens de 15 a 17 anos devem estar não apenas frequentando a escola, mas cursando o ensino médio. Este indicador apresenta estagnação em relação ao segundo trimestre de 2020, quando o impacto pandêmico ainda era pouco capturado pelos indicadores educacionais. Isso vem prejudicar uma trajetória que se aproximava da necessária ao cumprimento no prazo deste particular objetivo, exigindo grandes esforços de recuperação.
Ainda no âmbito da meta 3, é patente a necessidade de revogar o Novo Ensino Médio em favor de uma alternativa democraticamente construída.
Com exceção da renda, a taxa de atendimento em 2021 para a população de 15 a 17 anos encontra-se relativamente equânime entre os recortes analisados, após redução da desvantagem que havia para as populações preta e parda, assim como para as regiões Nordeste e Sul e para a zona rural.
A região Norte, no entanto, merece atenção por ter ficado para trás em relação ao resto do país no período analisado, sendo também a que atualmente apresenta a menor taxa de atendimento. Quanto à análise por renda, apesar da disparidade ainda considerável, o avanço tem se dado com redução na desigualdade entre todos os grupos, com os mais pobres tendo variações sucessivamente mais aceleradas no indicador.
Destaca-se o forte crescimento na taxa líquida de escolarização da população preta, que, junto com a população parda, ainda assim precisa de redução na desigualdade em relação aos brancos. Quadro similar é observado em relação à população da zona rural e àquelas das zonas Norte e Nordeste.
Já o recorte de renda volta a apresentar a maior disparidade entre os grupos analisados, com os jovens pertencentes ao ¼ mais rico do país apresentando taxa líquida de frequência 22 pontos percentuais acima dos observados para o ¼ mais pobre. Frente à disparidade já observada em 2014, a equiparação durante a vigência do Plano foi menos do que a metade do necessário.
Considerando o atendimento na etapa adequada, destacam-se negativamente os recuos na taxa líquida de escolarização no Mato Grosso e em Santa Catarina, além da estagnação vista no Acre e em Roraima.
Além do Acre, Pará e Rio Grande do Norte apresentam os menores níveis do país no indicador em conjunto com um avanço abaixo do observado no país como um todo, de forma que a desigualdade entre os estados tende a aumentar.
META 5: Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental.
Para o monitoramento da meta 5, foi usada pelo MEC uma definição de 2015 sobre os níveis adequados de aprendizagem medida pela Avaliação Nacional de Alfabetização - ANA. De acordo com essa métrica, os resultados da avaliação das crianças do 3º ano do ensino fundamental nas áreas de leitura, escrita e matemática apontam, ainda que de forma problemática pelo caráter do exame, níveis distantes dos propostos na Meta 5.
Mesmo se questionamentos sobre o uso de testes padronizados forem deixados de lado, a situação de monitoramento desta meta através de resultados na ANA é frágil pela ausência de parâmetros claros e transparentes que embasem quais níveis de desempenho na prova seriam considerados uma alfabetização bem-sucedida. Ao divulgar os resultados da edição de 2016, o MEC, já sob outro governo, propôs uma nova definição mais rigorosa do que seria um nível suficiente, porém sem dar justificativas sobre a mudança de critério.
Em 2019 foi reduzida mais ainda a validade dos resultados da avaliação para o monitoramento da meta 5, uma vez que a avaliação foi substituída por outra, aplicada no 2º ano do ensino fundamental, no contexto do Saeb, e não mais no 3º ano, que é a etapa referida pelo PNE. Para este exame, também não haviam parâmetros explícitos e consensuais sobre o que seria o desempenho correspondente à alfabetização mencionada no texto desta meta, o que buscou-se remediar com a pesquisa Alfabetiza Brasil, realizada pelo Inep em 2023.
Com base nesses parâmetros, os dados do Saeb indicam que 55% das crianças estavam alfabetizadas em 2019, caindo a 36% em 2021, com o impacto da pandemia de COVID-19. Uma compilação de dados dos sistemas estaduais de avaliação, no entanto, indica que em 2023 esse recuo já havia sido sanado, com um percentual estimado de 56% de crianças alfabetizadas. Esta compilação foi realizada e divulgada já no contexto do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, iniciativa lançada pelo governo Lula visando, além da alfabetização também no 2º ano, a recomposição de danos causados pela crise sanitária nas crianças do 3º ao 5º anos.
A pressão sobre os sistemas de ensino por resultados na avaliação de alfabetização pode causar prejuízos à qualidade educacional na forma de um foco precoce no letramento e da consequente supressão de outras experiências e atividades que também são fundamentais para o desenvolvimento pleno da criança.
Analisando o desempenho pelas regiões nos anos de 2014 e 2016, nota-se uma forte desvantagem dos alunos das regiões Nordeste e Norte, chegando a estar quase 20 pontos percentuais abaixo da média na habilidade matemática. Disparidade significativa também se observa entre as zonas rural e urbana. Entre as redes públicas, a federal aparece com níveis consideravelmente mais altos, seguidos pelas redes estaduais e municipais. O maior número de alunos, no entanto, se concentra nas redes municipais, com as redes estaduais na sequência.
De modo geral, os padrões se repetem nas três habilidades medidas pela Avaliação Nacional de Alfabetização, e o mais chamativo é aquele referente ao recorte por nível socioeconômico, que apresenta, para cada estrato mais elevado, proporções sucessivamente mais altas de alunos proficientes. Essa disparidade ressalta a importância de medidas voltadas especificamente a mitigar os impactos educacionais da privação material da população brasileira, assim como denuncia a amplitude da injustiça envolvida nessa própria privação, de forma que políticas voltadas a reduzi-la também se mostram urgentes.
Ao olhar os resultados de forma mais detalhada, por estados, vemos repetição do padrão de desigualdade dentro das regiões Norte e Nordeste.
No Norte, os resultados de Acre e Amapá diferem em 28 p.p. na proficiência em leitura, da forma como é medida pela avaliação.
Na habilidade de escrita, há uma maior homogeneidade em relação à habilidade de leitura dentro de cada região, mas as disparidades ainda são significativas. Os menores índices observados, como no Pará, Amapá, Maranhão, Paraíba, Alagoas e Sergipe, são aproximadamente a metade do extremo oposto, representado por São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Já em matemática, alguns estados apresentam os índices mais baixos de proficiência medida pela avaliação.
Novamente, há uma queda em Roraima, além de Minas Gerais e em São Paulo, ainda que estes dois últimos casos sejam menos graves por apresentarem níveis acima da média em 2016. Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte são exemplos positivos de estados que reduzem sua desvantagem em relação à média nacional no curto período em análise.
META 6: Oferecer Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da Educação Básica.
Após passar por oscilações e retrocesso durante boa parte da vigência do Plano Nacional de Educação, a Meta 6 apresenta uma recuperação parcial, porém insuficiente em relação ao seu cumprimento. Se em 2014 havia 42.665 escolas de tempo integral, em 2020 os números caíram para seu percentual mais baixo, com 27.969 ou 20,5% das 136.423 que atendem o público-alvo da política, oferecendo efetivamente o formato. Desde então, há uma retomada consistente no indicador, porém ainda aquém do ponto mais alto da série, atingido em 2015, e muito abaixo do objetivo de 50% prescrito para o ano seguinte, tendo pouquíssima chance de cumpri-lo.
Quanto às matrículas em tempo integral, o prospecto ainda é negativo, porém menos grave: desde 2020, o avanço progressivo levou o percentual de 13,5% a 20,6%, formando uma tendência de que seja atingido um nível próximo dos 25% estabelecidos como meta, havendo ainda alguma chance plausível de seu cumprimento.
Desde o início da vigência do PNE, apenas Nordeste e Sudeste apresentam avanço na cobertura de atendimento em tempo integral nas escolas entre as regiões. A queda ocorre principalmente nas regiões Centro-Oeste e Norte, de forma que a primeira deixa de possuir o quadro mais positivo, e a segunda se distancia gravemente da média nacional, atingindo 1%, quase um terço da média nacional
Aqui também se manifesta o desfavorecimento crescente dos alunos da região Norte, já observado em relação à proporção de escolas que atendem neste formato. O Nordeste é a região em que a maior proporção de alunos é atendida em tempo integral, apesar de ser o Sudeste a região em que maior proporção de escolas oferece a jornada estendida. No mais, as redes municipais tiveram retrocesso, não mera estagnação no período, os Anos Finais do Ensino Fundamental apresentaram avanço ao invés de retrocesso, e os alunos do campo tiveram aumento mais drástico na sua desvantagem em relação aos das cidades.
Considerando o recorte segundo raça/cor podemos ver a disparidade no atendimento da população indígena neste formato, mais de 10 pontos percentuais abaixo da média nacional, apesar de haver reversão da queda observada em anos anteriores. Finalmente, pelo fato de o indicador contemplar o Atendimento Educacional Especializado no cálculo da jornada, a população com necessidade especial apresenta proporções mais elevadas de matrículas em tempo integral.
Olhando dentro das regiões, podemos ver o quão baixos são os índices de escolas atendendo em tempo integral na região Norte. Dos 7 estados, apenas o Tocantins se destaca positivamente, enquanto o nível no restante dos estados é inferior à metade da média nacional. Já quando é analisado o avanço durante a vigência do Plano, o que se constata é um distanciamento de todos os estados em relação à média do país.
No restante das regiões há outros casos preocupantes, como o Rio Grande do Norte tendo o maior retrocesso na comparação com 2014, de 21,2 pontos percentuais, seguido por Pernambuco e Mato Grosso, com quedas de 16,3 p.p. e 15,9 p.p., respectivamente. De fato, houve queda no indicador em 16 das 27 unidades federativas, com estagnação em Roraima e crescimento abaixo da média no Amazonas e na Bahia, de modo que o avanço no cômputo geral é puxado por apenas 8 estados.
Como ocorre em relação às escolas, o indicador relativo à proporção de alunos atendidos também apresenta uma forte desvantagem de todos os estados do Norte em relação ao resto do país, com exceção de Tocantins.
Neste indicador também há um crescimento concentrado em 8 estados nos quais a evolução foi acima da média, sendo que outros 3 tiveram progresso abaixo da mesma enquanto a maioria retrocedeu na comparação com 2014. Entre essas retrações, destacam-se negativamente o Rio Grande do Norte, Rondônia e Amapá, com quedas de 15, 13,3 e 9,7 pontos percentuais, respectivamente.
Em pronunciado contraste com o resto do país, e compondo o efeito concentrador da destruição do Mais Educação, o Piauí apresentou um forte avanço de 28,4 pontos percentuais durante a vigência do PNE, atingindo junto com o Ceará a maior porcentagem de alunos atendidos em tempo integral, aos 45%.
META 19: Assegurar condições, no prazo de 2 anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.
A meta 19 do PNE versa sobre a garantia de condições de efetivação da gestão democrática da educação. Essas condições certamente incluem a existência de órgãos e processos de consulta e deliberação pública, ainda que não seja impossível que esses fatores existam formalmente, mas se encontrem esvaziados de sua raiz e função. Assim, são apresentados aqui dados sobre quesitos importantes, mas que não são por si só a efetivação da gestão democrática.
Em 2023, a maioria dos colegiados intraescolares sequer existia nas escolas públicas brasileiras. De todos os conselhos escolares, associações de pais e mestres e grêmios estudantis que deveriam existir em todas as escolas municipais, apenas 35% de fato existiam. Quando se trata do processo de seleção de diretores, apenas 10,5% daqueles gerindo escolas públicas chegaram ao cargo através de critérios técnicos aliados à eleição com participação da comunidade.
Em relação à seleção de diretores, o Sudeste apresentou o maior avanço entre as regiões, ultrapassando a média nacional. No mesmo período, o Centro-Oeste teve retração no indicador, enquanto o Norte passou por uma estagnação, mantendo-se com o menor percentual.
Nas escolas rurais e nas municipais, há um déficit na prevalência de diretores escolhidos de forma adequada, com ambos os grupos se distanciando negativamente da média nacional. Mesmo as escolas estaduais, que apresentam um percentual consideravelmente maior, estão a uma distância enorme do objetivo de universalização que devia ter sido cumprido já em 2016.
As escolas rurais e municipais apresentam menos colegiados intraescolares. Entre as regiões, Norte e Nordeste têm níveis consideravelmente abaixo da média nacional, com apenas o Norte se aproximando da mesma.
Quando é feita a análise por cada colegiado, vemos que os conselhos escolares são significativamente mais frequentes, seguidos pelas associações de pais e mestres, e tendo os grêmios estudantis como o espaço mais escasso, denunciando o déficit de voz e autonomia dadas aos alunos em relação a sua própria educação.
Quanto aos quesitos relacionados a colegiados extraescolares no âmbito das unidades federativas, entre 2018 e 2021 houve queda no percentual de colegiados existentes – fórum estadual de educação, conselho estadual de educação, CACS-Fundeb e conselho de alimentação escolar. Isso por si só configura descumprimento da meta: o prazo de 2016 estipula não só que todos os colegiados acima devem existir naquele ano, mas que sejam mantidos nos anos seguintes.
Quanto aos grêmios estudantis, como se vê na desagregação do indicador referente à existência de colegiados intraescolares no país, o grêmio estudantil é, de longe, aquele mais raro nas redes públicas.
Podemos ver um padrão de menor presença de grêmios em escolas que atendem os grupos de menor nível socioeconômico, com os três inferiores próximos a 20% enquanto os grupos 4 e 5 têm proporção próxima a 40%, o dobro do valor. Vale notar, ainda, a queda no grupo menos abastado, compondo, com o crescimento dos grupos restantes, um leve distanciamento.
Também é drástica a desvantagem das escolas rurais em relação às urbanas, que têm grêmios estudantis em proporção quatro vezes maior, aos 20%, com mudança negligível na disparidade desde 2019. Diferença semelhante é observada entre a região Sudeste, com o maior percentual, e a região Norte, com o menor. Neste recorte, destaca-se ainda a região Centro-Oeste, que apresenta o maior avanço entre os subgrupos visualizados no gráfico acima.
Ainda, vale notar a baixa presença de grêmios estudantis em escolas indígenas, enquanto nas escolas de educação especial inclusiva ela é próxima à média das escolas em geral. Naquelas escolas que atendem uma maioria de estudantes negros, o percentual é levemente abaixo da média, repetindo um padrão de desvantagem dessa população observado no restante dos indicadores do Plano.
Quanto à presença dos grêmios em cada estado, um padrão onde quase é possível distinguir entre dois grupos aparece, com uma série de unidades federativas apresentando percentuais ínfimos para o indicador. 10 dos 27 estados e distrito federal possuem grêmios em 5% ou menos de suas escolas. Se estendemos o corte para 10%, essa contagem sobe para 16, ou mais da metade das unidades federativas. Já o restante também não possui níveis muito elevados – o que não surpreende dada a média nacional –, com os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Tocantins apresentando os percentuais mais elevados.
Em relação à variação no período em análise, nota-se ainda a queda nos percentuais em 9 unidades federativas, lembrando que o objetivo era que 100% das escolas tivessem seu grêmio estudantil em funcionamento há 7 anos.
META 20: Ampliar o investimento público em Educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio.
A meta 20 é fundamental para o cumprimento do restante do Plano Nacional de Educação. Por esse motivo, também é instrumental para entender o estado de descumprimento que está exposto neste balanço. Para 2019, o PNE previa uma destinação de 7% do PIB para a educação, o que não foi atingido, já que os gastos estiveram, durante todo o período com dados, estagnados em torno de 5% do PIB. A austeridade fiscal que se aprofundou nesse período é um fator chave para entender porque isso ocorreu.
Para 2024, foi determinado que 10% do PIB seja destinado à educação, uma pauta histórica que encontra ampla ressonância na população. Isso pôde ser observado na forte pressão exercida não só pela área educacional, mas pelo conjunto dos cidadãos rumo à aprovação de um novo Fundeb pra valer, com Custo Aluno-Qualidade (CAQ), frente a sucessivas tentativas de desmonte empreendidas pelo governo de Jair Bolsonaro e por partes do Congresso que, ao fim, restaram minoritárias.
A consagração do CAQ no Novo Fundeb consistiu em uma reafirmação ainda mais sonora do direito à educação por ter se seguido a uma sequência de ataques coordenados pelo governo Bolsonaro ao mecanismo. Em 25 de março de 2019, o Ministério da Educação (MEC) editou a Portaria n° 649/2019, retirando o CAQi/CAQ das preocupações do Comitê Permanente de Avaliação de Custos na Educação Básica do Ministério da Educação, que define políticas de financiamento da educação. No dia seguinte, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação anulou o Parecer n° 08/2010, que normatizava o CAQi/CAQ, único mecanismo que, até então, tinha avançado para a possibilidade de sua implementação.
No entanto, desafios para o financiamento educacional ainda continuam à frente, como a regulamentação do CAQ nas bases conceituais em que foi originalmente concebido, debatido e aclamado pela comunidade educacional.
Como o CAQ é um mecanismo que vincula o financiamento com parâmetros de qualidade para a educação básica, tais insumos básicos também não foram regulamentados e, muito menos, estabelecidos e implementados.
Se for regulamentado o mecanismo do CAQ em coerência com aquele criado e aprimorado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde 2002, a Constituição Federal determinará que todos os profissionais da educação deverão ter piso salarial profissional nacional, política de carreira e formação continuada. Todas as redes públicas deverão receber recursos suficientes para ter um número adequado de alunos por turma – considerando as especificidades de cada etapa e modalidade da educação básica –, além de biblioteca, laboratório de informática, laboratórios de ciências, conexão de banda larga à internet, quadra poliesportiva coberta, acesso pleno à água potável e energia elétrica. E os educandos terão acesso efetivo a programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde, voltados à equalização de condições básicas.
Isso porque o CAQ firma o direito à educação como o condicionante do planejamento econômico, e não o inverso. Sem este mecanismo, as populações mais pobres continuarão vulneráveis ao sucateamento da educação que recebem, enquanto os mais ricos recebem como se fosse privilégio o que deve ser universal.
Sem o CAQ, o que vemos é que até mesmo recursos básicos como o abastecimento de água ainda falta em 3.063 escolas públicas em pleno ano de 2023. Quando o quesito é o fornecimento de água potável, esse número quase dobra, para 7.912 escolas, e é semelhante ao número de 6.363 escolas que não possuem esgotamento sanitário.
Os dados derivados dos Censo Escolares são do Projeto Sede de Aprender, iniciativa do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público do Estado de Alagoas visando garantir um ambiente de ensino escolar adequado. Após obter bons resultados a partir das visitas técnicas aos estabelecimentos, o projeto se expandiu nacionalmente em parceria com a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON), o Instituto Rui Barbosa e o Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas. A Campanha é parceira desse projeto.
Analisando a situação por cada unidade federativa no período de 2021 a 2023, o dado que mais chama atenção é a grande piora relativa no estado de São Paulo, que tinha apenas 2 escolas sem abastecimento de água em 2021 e saltou para 25 dois anos depois, numa variação de 1150%. Nos estados do Pará, do Maranhão e do Acre estão mais de um terço das escolas sem abastecimento algum de água no país, sendo que no Acre a situação se manteve essencialmente inalterada no período. Já o Pará possui o segundo maior contingente de escolas desabastecidas, mesmo após a situação ter sido solucionada em outras 174 que tinham esse problema em 2021.
Em relação à água potável e ao esgotamento sanitário, as situações de Acre, Amazonas e Maranhão ainda figuram entre as mais graves, e São Paulo é novamente a unidade federativa onde o aumento relativo foi maior, com número de escolas sem água potável 177% maior do que em 2021 chegando a 113 unidades, e 15 escolas deixando de ter esgotamento sanitário, um aumento de 88%. Em termos absolutos, há um salto expressivo no número de escolas sem água potável na Bahia, chegando a 1.583 em 2023 frente às 915 unidades em 2021, um aumento de 73% em um dos casos que já era o mais preocupante no país.
O PDDE, em sua ação integrada PDDE Estrutura e, mais especificamente, PDDE Água, é uma política importante para a solução desse problema, tendo empenhado cerca de 257 milhões de reais no período entre 2018 e 2023 para a adequação de unidades do campo, indígenas e quilombolas, mas mesmo essa iniciativa encontra dificuldades de alcance, com apenas 27,5% da unidades elegíveis identificadas para o ano de 2024 tendo Unidade Executora Própria (UEx) e, situação regularizada, que é um requisito para o recebimento de recursos.
Para além de um mecanismo de justiça distributiva do financiamento educacional, o CAQ, no seu formato integral e original, também funciona como uma ferramenta de controle tanto aos órgãos oficiais quanto à comunidade escolar e aos cidadãos em geral, expandido a possibilidade de ações similares voltadas a efetivar a garantia de existência dos insumos essenciais ao processo de ensino-aprendizagem.
(Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA)