No ano em que acaba a vigência do Plano Nacional de Educação (PNE - 2014-2024), o cenário permanece de abandono da Lei nº 13.005/2014. Com a baixa taxa de avanço em praticamente todas as metas, quase 90% dos dispositivos (34 de 38) das metas não foram cumpridos.
Reportagem da Folha de S.Paulo desta segunda (17/06) registrou com base no Balanço do Plano Nacional de Educação (PNE) 2024, produzido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que apenas quatro, das 20 metas estabelecidas para serem alcançadas até o final de 2024, foram ao menos parcialmente cumpridas pelo país.
Entre as 3 metas parcialmente cumpridas (metas 7, 11 e 13) estão aquelas que já estavam avançadas no momento da aprovação da Lei em 2014, não indicando propriamente progresso do sistema educacional. Elas dizem respeito à participação da rede pública na expansão de matrículas da educação profissional e tecnológica; ao percentual de docentes no ensino superior privado com mestrado e doutorado; ao número de mestres nos país; e ao percentual de professores da educação básica com pós-graduação.
O Balanço do PNE 2024 da Campanha compreende os 10 anos da Lei do PNE. O documento apresenta anualmente dados da situação atual de cada uma das metas do Plano e avalia seu cumprimento ao longo do tempo.
Essa legislação é considerada espinha dorsal da educação e deve ser renovada no Congresso Nacional ainda neste ano.
“Não adianta rebaixar as metas para o próximo plano, como alguns grupos defendem, só para ele chegar ao final cumprido, se a garantia plena do direito, já prevista na Constituição Federal desde 1988, seguirá sendo descumprida", defende Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
A Lei do PNE estabeleceu que o país deveria perseguir uma série de metas para todas as etapas e modalidades, da educação infantil à pós-graduação. “Relatório feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação aponta, no entanto, que na última década não só houve poucos avanços, mas até mesmo retrocessos, nos objetivos definidos para melhorar a educação brasileira", aponta a reportagem da Folha.
"Os objetivos não cumpridos serão um legado negativo para o plano a ser seguido nos próximos dez anos, com o risco de limitar o horizonte de aonde o país pode chegar. Nessa última década, milhões de estudantes passaram pela educação básica e pelo ensino superior sem ter tido garantido o direito ao ensino de qualidade que o país pactuou que deveria ser oferecido a eles", disse à Folha Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha.
O Balanço do PNE 2024 da Campanha foi elaborado pelo cientista de dados da Campanha, Fernando Rufino.
Retrocessos
Segundo o Balanço do PNE 2024, as metas 2, 9 e 12 estão em retrocesso, abrangendo 13% do total, considerando os dispositivos do Plano.
A meta 2 é a que tinha como objetivos garantir que 100% da população de 6 a 14 anos tivesse acesso ao ensino fundamental e que ao menos 95% desses alunos concluíssem o ciclo na idade adequada.
O acesso de todas as crianças de 6 a 14 anos ao ensino fundamental, que ainda não havia sido conquistado no Brasil antes da pandemia, sofreu um forte impacto em seu segundo ano, caindo a um nível menor do que o observado em 2014 e se mantendo relativamente estagnado desde então. O número de crianças nessa faixa etária que não frequentam nem concluíram a etapa quase dobrou de 2020 para 2021, saltando, em valores estimados, de 540 mil para 1,072 milhão, aumentando ainda para 1,137 milhão em 2023.
Desse 1,137 milhão de crianças, 150 mil sequer frequentavam a escola, e outras 980 mil estavam escolarizadas, mas em etapas anteriores ao ensino fundamental. É essa elevação no número de crianças da faixa etária atendidas na educação infantil o motivo da queda no indicador desde a pandemia.
Com relação à meta 9, a taxa de 93,5% esperada para a alfabetização dos brasileiros em 2015 não foi cumprida no prazo. Só 2 anos depois, em 2017, isso aconteceu. Nos anos seguintes, o indicador passou por um crescimento muito lento até 2021, quando atingiu 95%, o valor máximo da série. Pelo dados da Pnad Contínua, do IBGE, o saldo em 2023 é de 9,3 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever. Até por se tratar de um contingente maior do que a população de muitos países, não há absolutamente nenhuma razão para esperar que o objetivo de erradicar o analfabetismo absoluto seja cumprido no ano seguinte.
Para cumprir a meta 12, é preciso que em 2024 o número de pessoas de qualquer idade que frequentam ou já concluíram cursos de graduação seja igual a 50% do total de pessoas de 18 a 24 anos.
Apesar disso, o insuficiente ritmo de avanço deste indicador pouco se alterou ao longo do Plano, oscilando ao redor de uma tendência incompatível com o atingimento do objetivo. Restando aproximadamente 10 pontos percentuais para serem avançados em um ano, quando nos 9 anteriores o crescimento foi inferior a isso, não há perspectivas de cumprimento do pactuado em 2014.
Lacuna de dados
A avaliação de 11 das 20 metas e seis estratégias do PNE foi afetada pela restrição na abertura dos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) implementada em 2022. Nestes casos, o acesso aos mesmos precisou ser realizado por meio do Sedap (Serviço de Acesso a Dados Protegidos).
Alguns destaques das lacunas de dados que impossibilitam um diagnóstico adequado são o artigo 9º da Lei (gestão escolar democrática) e estratégias da meta 2 (ensino fundamental), meta 4 (acesso ao atendimento educacional especializado) e meta 7 (nível de aprendizado no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, e transporte escolar).
A Campanha defende há anos o acesso a dados abertos e a transparência nos critérios de disponibilização de suas bases. Na edição do ano passado, a produção do Balanço foi prejudicada em metade das metas devido à restrição de acesso aos microdados do Inep.
Balanço na íntegra
O Balanço do PNE 2024 será lançado na íntegra na terça (25/06), em audiência pública na Câmara dos Deputados.
Mas antes o estudo será base para discussão no seminário “10 anos de PNE, e agora?”, a ser realizado dentro da Semana de Ação Mundial 2024 nesta segunda (17/06), às 18h30, na Ação Educativa, em São Paulo (SP). Haverá transmissão pelo canal de YouTube da entidade. A realização é da Ação Educativa e da Campanha.
Corroborando a defesa histórica da Campanha, os dados mostram que o cumprimento do novo PNE pressupõe a garantia de investimentos públicos adequados à educação pública.
A Campanha defende que a atualização da Lei do PNE deve acontecer sem retrocessos, com ousadia para a garantia de uma educação pública de qualidade a todas as pessoas.
Projeto de Lei
O Estadão, também nesta segunda, traz informações sobre o novo Projeto de Lei do Ministério da Educação (MEC) para o PNE, que vai ser enviado ao Congresso, também mencionando o Balanço como conjunto de evidências sobre o descumprimento da Lei.
“O documento, ao qual o Estadão teve acesso, cria metas em áreas consideradas prioritárias pela pasta, como a alfabetização e a educação integral, mas recicla o mesmo patamar de financiamento para a educação previsto no plano atual”, diz a minuta, segundo o Estadão. “A proposta não aborda diretamente temas considerados ‘sensíveis’, como a questão LGBTQIA+. Em temas que suscitam debates entre a esquerda e a direita, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se restringe a falar sobre ‘respeito à diversidade’, direitos humanos, relações étnico-raciais, e educação ambiental.”
(Foto: Divulgação/SEEDUC-RJ)
(Gráfico: Reprodução/Folha de S.Paulo; elaboração da Campanha Nacional pelo Direito à Educação)